Publicada no jornal Diário de Taubaté em 5/2/10.

Por Mayara Barbosa

As atividades de um detetive particular profissional no Vale do Paraíba vão muito além do que as pessoas podem sequer imaginar

Lupa na mão, olhar atento aos detalhes à procura de uma pegada, um fio de cabelo e tudo que possa vir a ser uma pista. Essa é a imagem construída quando se pensa no trabalho de um detetive. Mas deixando os estereótipos de lado, a vida desse profissional pode ser bem mais diferente. Esse é o caso do detetive particular Mario Rodolfo Budino Delpratto.

Nascido no Uruguai, Mario, de 53 anos, trabalha nessa profissão há 28 anos. Formado pela Força Aérea Uruguaia, veio sozinho para o Brasil em 1978 em busca de seus sonhos, onde começou a trabalhar na Embraer, cujo salário conseguiu pagar um curso de detetive por correspondência.

Em 1981, abriu seu escritório em São José dos Campos, instalado, hoje, em um dos bairros mais nobres da cidade e decorado com muito requinte, nada parecido com os locais escondidos e cheios de fumaça de cigarro que vemos nos filmes. Posteriormente, em 1989, ele se formou pelo FBI.

Mas o que mais chama atenção é que Mario não se preocupa com o anonimato. Pelo contrário, ele é bastante conhecido na região e na mídia. Como será então que ele consegue resolver seus casos, que hoje contabilizam mais de três mil? Com a demanda de trabalho, Delpratto conta hoje com uma equipe de outros quatro profissionais para ajudá-lo, além de lançar mão dos misteriosos disfarces, que, de acordo com ele, nunca são de mulher.

E foi para falar sobre o trabalho de um detetive particular no Vale do Paraíba, entre outras questões da profissão, que ele recebeu o Vale Repórter, em um final de tarde chuvoso, logo após o seu expediente.

Vale Repórter Por que você quis ser detetive particular?

Mario – Esse era um sonho de criança. Quando tinha uns 15 anos, fiz um curso e minha mãe jogou tudo fora e me mandou estudar. Para ela, detetive era brincadeira, coisa de cinema, de filme. Ela não me incentivou em nada, mas eu sempre fui muito curioso, gostava de subir nos telhados do meu bairro à noite, observava os outros. Certa vez, uma prima fugiu de casa e eu a encontrei em Punta Del Leste.

Com 28 anos de profissão, Mario é um dos mais conhecidos detetives particulares do Vale do Paraíba

VRComo foram os primeiros anos de profissão?

Mario – Eu comecei em uma época em que detetive no Brasil sofria muito preconceito, era marginalizado, pois confundiam detetive com informantes de polícia, falso policial. Então eu não era muito bem visto, já que sou pioneiro no Vale do Paraíba.

VREntão, o que você viu na região que propiciava o trabalho de um detetive?

Mario – Eu acreditava e acredito que São José irá virar uma metrópole e quando se falava em detetive era só São Paulo e Rio. No Vale do Paraíba, não tinha escritório de detetive particular. Outra coisa é que, na região, são 39 cidades, são quase 3 milhões de habitantes. Então, achei que teria muito serviço para mim.

VRDevido ao perfil da região, quais os casos mais recorrentes?

Mario – Quando comecei a trabalhar só se falava em adultério o que antigamente era um crime, um escândalo. Hoje em dia é mais um interesse financeiro. Agora, há casos de filhos com drogas, com más companhias, funcionários furtando, funcionários desonestos, concorrência desleal, sócios roubando sócios. Então, realmente, temos um leque de investigação que se abriu muito grande. Quando comecei, 70% dos meus clientes eram mulheres, hoje são homens, ou seja, mudou porque depois que inventaram o celular e a internet a mulher ficou mais atirada, liberal. Isso significa que as mulheres estão traindo mais que os homens.

VRQuais são os casos mais difíceis no Vale do Paraíba?

Mario – O mais difícil que eu já atuei foi em sequestros. É mais difícil porque envolve vidas, envolve crianças e um erro pode ser fatal. Um caso que também me chama muito atenção e que eu trabalho, mas não gosto muito é pedofilia. Porque envolve crianças e eu me envolvo porque eu faço parte do personagem, sou pai, sou avô, sou um ser humano. Outra coisa que também acho interessante são os idosos, Quando alguém maltrata um idoso eu vejo que amanhã pode ser eu lá. Nesses casos, coloco câmera escondida para pegar familiares que maltratam idosos, filhos que batem em pai, sogra, genro, nora. Há também casos de homossexualismo. Tem mãe que me contrata porque o filho é gay, mas ela não quer aceitar. Há também evangélicos que me contratam e igreja católica para investigar padres que fazem coisas erradas.

VRUm detetive particular tem mais chances de desvendar um caso do que a polícia?

Mario – Para conseguir algo ilegal, eu mesmo faço, não preciso de uma ordem judicial. A polícia também não tem o tempo que eu tenho porque eu me dedico só a isso. Mas eu não gosto de passar por cima da polícia, eu gosto de colaborar com a polícia.

VRA maior parte dos clientes tem alto poder aquisitivo?

Mario – Não. Hoje eu comecei a trabalhar para uma empregada doméstica para seguir o marido. Cobrei barato. Mil reais. E ela vai pagar á vista amanhã e ganha R$600 por mês. Já para um cliente chinês de São Paulo cobrei R$6.500. Então, eu trabalho para empregada doméstica. Não posso é cobrar R$6 mil e eu jamais cobraria.

VRE para solucionar os casos, quais equipamentos você usa?

Mario – A informática é a arma número 1, depois vem os rastreadores de carro, temos filmadoras de última geração, máquina fotográfica digital, escutas telefônicas, escutas à distância, canetas que gravam. A maioria dos equipamentos é importada e são muito caros por isso, que detetive não pode cobrar muito barato.

"Aqui eu já tenho um nome. .No Vale do Paraíba, Detetive Mario já é um mito"

VRVocê oferece um curso de detetive no Instituto de Investigação Mario Budino. Já tem alguma mulher e como é lidar com o lado sentimental feminino?

Mario – Eu já tenho aluna mulher e eu acho que tem mulher que é muito mais esperta que o homem. Mas para fazer esse curso você não precisa trabalhar como detetive. Se você é jornalista, você pode trabalhar como jornalista investigativa. No curso, os alunos estudam tudo o que passei e depois fazem uma prova e eu dou um certificado. Esse trabalho faz parte das minhas pisadas. Eu morro, mas o Instituto continua.

VRQuais as características fundamentais para ser um detetive?

Mario – Primeiro, tem que ter caráter, ser honesto. É preciso também ter boa aparência. Não precisa ser lindo. Tem que saber se comunicar. Não pode ser bobo. Eu sei o que falo. Eu sou malandro, não sou bandido. Sou muito legal, mas se um cara me tirar do sério já era. Sou bastante explosivo, mas quando tem que ser gentil sou um cavalheiro. Além disso, tem que ter raiz. Aqui eu já tenho um nome. .No Vale do Paraíba, Detetive Mario já é um mito.

VRComo você separa o lado profissional do pessoal? Você investiga a sua família?

Mario – Minhas filhas sofreram um pouco mesmo (risos). Todo mundo fala que vou tentar controlar minha mulher. Mas você se engana às vezes. Casa de ferreiro o espeto é de pau. Eu tenho esse ditado: ou confia ou não confia. Eu ainda acredito nas pessoas. Tomei na cabeça por acreditar, mas quem já não tomou também?

VRQuando a investigação virá invasão de privacidade?

Mario – Uma coisa é investigar e seguir, mas quando faço um relatório e se eu te difamar, você pode entrar com calúnia, difamação e danos morais contra mim. E não é bem assim, invadir a privacidade alheia. Eu ando em cima de cascas de ovo o dia inteiro, ando em cima do muro. Se eu cair para um lado, eu caio para o outro. Se eu correr o bicho pega, se eu ficar, o bicho come. Não é que eu trabalho com crime é que, às vezes, eu faço coisas ilegais que minha profissão requer. Mas eu sou profissional. Mas se você me atacar… A melhor defesa é o ataque, a vingança é um prato que se come frio.

VRPara finalizar, você se considera uma pessoa realizada?

Mario – Sim, eu sou um detetive de nome, polêmico, querido, odiado. Muitos me adoram, mas também muitos me odeiam.